sobre os dias da semana
ela chega
vejo estruturado em seus lábios
um sorriso aliviado
nossos corações deitam na rede
bituca entoa o rito
batismo
na pia e no ralo
escorre a espuma do dia
seguimos remendados
comunhão
aromas banham a casa
essa é nossa missa
e lá se vai mais um dia
em algum ponto isolado da Via-Láctea
a sutileza do gesto carinhoso se perde
na aspereza do mundo
exausto flutuo
como em queda refrescante do mais alto edifício
por que ainda reside a sensação
da proximidade impossível do toque
nas ondulações do ar?
a sufocante ideia massificada do herói nos ilude
e persisto na espera
ainda que no declínio
ofereço um sorriso sem destinatário
e mantenho as mãos desocupadas
porque mesmo de frente com o abismo
o eco me devolve o verbo
reflexão de quarentena.
amor caramelo
maldito
de tom, de cor
Inatingível
reviro-me em nado suave
onde tateio as ondas do lençol
e sinto-me um náufrago
agora entendo São Francisco
testando na ponta mais afiada do espinho
da Rosa mais vermelha
ou na queimadura do gelo
do mais impiedoso Inverno
o antídoto para a lascívia
ó implacável distância
a mesma que desenha essa sede
repousada em meus lábios
e alimenta o sonho
de tomá-la num abraço completo
igual o desses filmes
que alimentam nossas fomes
dê-me uma trégua.
cenários frágeis
A solidão que
abarca o mundo
nos impele a uma dança forçada
A máquina trava
e revela os grilhões
Os cenários vem ao chão
divorciando os papéis
Ganha-se de volta
um Corpo
sob um céu escancarado
Postos a uma nudez desoladora
Dançamos
Insubordinados
Rebeldes
Efêmeros
Coloca-se sobre nossa frente
um banquete
E saciamos uma fome
desconhecida
Feitos da mesma carne que
recobre a Terra
Se somos seu entendimento
Sangramos
Choramos
A torrente da dor do mundo.
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Postado originalmente no dia 28 de Abril de 2020 às 14:19