Leandro Rodrigues nasceu em Osasco, São Paulo, em 1976. É poeta e professor de Literatura Já lançou os livros Aprendizagem Cinza (Patuá, 2016), Faz Sol Mas Eu Grito (Patuá, 2018) e Todas As Quedas São Livres (Penalux, 2020). Também já participou de diversas antologias e sites literários.
ÍCARO
A Ícaro seu voo
rente ao sol asas de cera
a queda brusca e inevitável
ruflada sombra ao precipício
A Ícaro a palavra
no tempo de vela derretida
as penas descoladas
a alada simetria da chama
resiste ao vento
A Ícaro o canto do pássaro
o vértice do outro limite
o solo de nuvem
o solo de nuvem
do instante
de todo instante
O ARCO DO DESEQUILÍBRIO
(para o voo sem asa)
2
Quantos ossos se secam na varanda
entre baús manchados de tinta fresca
no parapeito do esquecimento
teu grito era o espasmo no chão
- câncer na medula dos dias desesperados?
espatifada sombra horizontal
Insepultos fantasmas da marquise nos acenam equilibristas
Nos fios de eletri-
cidade
Com saltos largos
– cabides de alta tensão
Três passos no farpado arame
contorcionista novelo
de um sangue sem pontas
E atravessam os edifícios espelhados
Camuflam-se nas nuvens pé ante pé
flu
tu
am
levemente se espetam no azul
qual borboletas num livro raro
de colecionador
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para Karl Wallenda
Na opressão das memórias extintas
atravessa num arco
Dois prédios de escombros
Na leveza do desequilíbrio
Um salto para o infinito
ácidos de cal e fuligem
um precipício do solo
sol
a
sol
a pino
a tarde emaranhada de finas teias
tênues dorme
a morte boceja seu átrio
na somatória de tudo – zero.
O HOMEM VELHO
O homem velho
dobra a estrada
olha tudo
vê o nada
O homem velho
declina-se do vento
- sempre
à margem -
da eternidade – passa
Às oito horas e vinte de uma manhã sem dentes
O homem velho se debruça da sacada
Acorrenta-se ao sol
Agarra-se no azul
E desfia as nuvens como novelos
(a barba branca de Deus)
NATAL NO MORRO
de sobressalto
a mãe olha para o filho
- são fogos de artifício!
meninos sonham acordados
castelos, dragões, bolas, cometas
e um país imaginário
sem balas perdidas.
CADAFALSO
As marcas de um voo morto
açúcares espalhados pelo sótão
do avesso de minha carne
costuramos madrugadas sanguíneas
marchamos para um cadafalso difuso
cores desmembram o laço
no nosso pescoço um pássaro.
ISADORA DANÇA
Isadora Duncan
mesmo morta
ainda dança na contraluz
da Lua
Isadora ousa precipita-se
num passo solto
e profundo
padedê precipício
Então salta num voo
livre tênue
pasodoble
frágil-infinito.
LEILA LIVRE LEILA
apenas em sua liberdade
esse azul vai além
de espanhas e holandas.
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Postado originalmente no dia 20 de Abril de 2020 às 16:30